quarta-feira, 8 de setembro de 2010

SETE DE SETEMBRO (Francisco Aurelio Ribeiro)

Sete de Setembro




“Sete de Setembro/ Data tão festiva/ Foi a Independência/ Desta terra tão querida/Hoje está liberto[…]/ Viva a Independência do Brasil/ do Brasil”. Esses eram os versos da Canção da Independência sabidos de cor e salteado pelos alunos da escola Primária onde estudei, no Caparaó, há cinquenta anos. Havia, também, o “Hino da Independência”, dizem que composto pelo próprio D. Pedro I, mas tenho cá minhas dúvidas se não foi feito por um padre qualquer que entendia mais de composição musical do que ele, especialista em quengas e cavalos: “Já podeis da Pátria, filhos,/ Ver contente a mãe gentil/ Já raiou a Liberdade/ No horizonte do Brasil”. Sempre havia um colega mais moleque que cantava: “Japonês tem quatro filhos…” O resto era tão politicamente incorreto que, se eu continuar a transcrição, posso ser processado pelas leis antiscriminatórias atuais. O certo é que comemorávamos, com pompa e circunstância, a data magna do país, aquela em que lembrávamos o Grito do Ipiranga, o “Laços, fora, companheiros…”, o momento em que, em 1822, um príncipe português rebelava-se contra o próprio pai, o D. João Corno, tornando o Brasil liberto de Portugal, após 322 anos de dominação lusitana.



Era feriado escolar, mas não podíamos viajar, pescar, caçar rolinhas (naquela época podia) ou ir pro shopping (que não havia). O dia Sete de Setembro era comemorado festivamente com um desfile cívico-escolar, fizesse sol ou chuva, fosse domingo ou segunda. Todos os alunos e a sociedade organizada participavam da parada. Lembro-me do último em que atuei como Pe. José de Anchieta,em 1963, no meio de um monte de índios com flecha, cocar, tanguinha e colar, tudo enfeitado com penas de galinha branca tingidas de anilina por minha mãe, num calor danado, dentro daquela sotaina de padre jesuíta. Após o desfile, suando e desidratado, jurei pra ela que, no ano seguinte, queria ser índio. Uma pena que, no outro ano, houve o golpe militar de 1964 e os desfiles foram transformados em parada militar. Todo mundo virou soldado, para defender o país do comunismo, do risco de virar capacho de Moscou etc. Todos sabem no que deu.



Mas, voltando àquele ultimo desfile de que participei na infância, o sonho de todo menino era ser o Pedro Álvares Cabral, que iniciava o cortejo vestido como sultão de Bagdá, a daquela época dos tempos das mil e uma noites, ou, então, o próprio D. Pedro I, que, montado a cavalo, encenava o Grito do Ipiranga, o último ato daquele espetáculo teatral de história e cidadania. Só que, para ser um ou outro, tinha de ser de família rica, pois a roupa era caríssima e, no caso do último, saber montar a cavalo, o que poucos de nós éramos ou sabíamos, por isso, os escolhidos eram, sempre, o Toni Lemos, que, depois, virou cantor e o Delfino, possuidor de um belo cavalo alazão que todos invejávamos.



Hoje, não sei como é comemorado, mais, o Dia da Independência, nas escolas brasileiras. Nem sei também se as crianças sabem cantar aqueles hinos da nossa infância, desde que ficou fora de moda cultuar datas cívicas e heróis nacionais. Carregar bandeira e vestir verde e amarelo só é recomendado de quatro em quatro anos, nas Copas de Mundo de Fiutebol. Parece que o Sete de Setembro é comemorado, hoje, nos shoppings, assistindo ao “Shrek 3” e comendo batata frita, afinal, os dois também são verde e amarelo, pois não?



(Francisco Aurelio Ribeiro)



(Fotografia: Elizabeth Nader)
 
 
 
Francisco Aurelio Ribeiro nasceu em Ibitirama, pequena cidade na serra do Caparaó, ES, em 22 de agosto de 1955. Formado em LETRAS e DIREITO, fez Especialização em Língua Portuguesa (PUC-MG), Administração Universitária (OUI-UERJ), Mestrado e Doutorado em Letras (UFMG). É Professor Universitário e foi um dos criadores do Mestrado em Estudos Literários da UFES, tendo orientado dezenas de dissertações de mestrado nos anos em que lá atuou (1994-2008). Foi o primeiro Secretário de Produção e Difusão Cultural da UFES (1992-1996), quando criou a revista Você, a Edufes, a Orquestra de Câmara da UFES, o Teatro e o Cinema Universitários. Atualmente, trabalha como professor nos cursos de pós-graduação da Faculdade Saberes e faz consultoria nas áreas de leitura e de literatura infantojuvenil. Está atuando no Programa Nacional de Leitura (PROLER), vinculado à Biblioteca Nacional e ao Ministério de Cultura como “Especialista” selecionado em edital público. Possui mais de 40 livros publicados, dentre literatura infanto-juvenil (16), crônicas (04), poesia (01) e os demais de crítica e historiografia literária, além de dezenas de artigos em revistas especializadas do Brasil e do exterior. É pesquisador da Literatura e História do Espírito Santo, de questões da alteridade e do tema Mulher e Literatura. Tem-se dedicado, também, à história da indústria capixaba, tendo escrito a História da CST, em 2006. Em 2007, publicou O Convento da Penha. Fé e Religiosidade do Povo Capixaba, obra patrocinada pela CST. Em 2008, organizou, juntamente com Thelma Maria Azevedo, um Dicionário de Escritores e Escritoras do Espírito Santo, publicado pela Lei Rubem Braga da PMV e o apoio da Vale. Em 2010, publicou FINDES 50 anos, A Literatura do Espírito Santo e Ensaios de Leitura e Literatura Infantojuvenil. Pertence à Academia Espírito-santense de Letras, da qual é Presidente, em seu terceiro mandato, ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, à Associação Espírito-santense de Imprensa e à Academia de Letras Humberto de Campos. Cronista fixo do jornal A Gazeta, da revista A’angaba, da Associação Espírito-santense de Imprensa, é editor da revista anual da AEL e das coleções de literatura e de memória do ES, através de convênio da AEL com a PMV, a partir de 2007.

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farib@terra.com.br / faribe@gmail.com

Um comentário:

  1. BOM DIA! Estava procurando a letra de uma canção da minha infância quando tive o prazer de encontrar o texto. Hoje trabalho em uma escola e posso garantir que hoje o 7 de Setembro e outras datas cívicas são comemoradas com os passeios ao shopping, como mencionou. Não posso dizer que minha época foi melhor ou pior, mas, dentro de mim, fica um sentimento de tristeza. Meu único filho que já viu o hasteamento de uma bandeira e que sabe (um pouco) o Hino Nacional aprendeu isso no Grupo Escoteiro. Penso que o amor ao nosso País começa a ser cultivado com esses pequenos momentos de respeito e devoção. Adorei o seu texto. Um abraço. Joselaine

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